segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A Mariposa!

Já havia algum tempo que ele não passeava por aquelas ruas, mentalmente pensava consigo: “Trinta, talvez vinte anos? ”.
Já não tinha certeza, em sua mente uma ele ouve uma voz que sussurra:
- Você já esteve aqui? Certeza? – Gentilmente a voz é silenciada em sua mente.
Mais alguns metros à frente, algumas luzes falhando nos postes, ele vê o bar. Um flash em sua mente, a visão do que outrora foi uma taverna suja. Pouco importa, é ali que ele precisa estar. Na porta do bar algumas motos, sugerindo tão sutil quanto um elefante em uma praia, que ali é um bar de motoqueiros. É estou no lugar certo – pensa ele.
Ele adentra a porta e o leão de chácara olha no fundo dos seus olhos, tempo suficiente para percorrer toda sua alma. Mas nada o abala, e o vigia simplesmente volta a fulminar com seu olhar o vazio da noite fria.
O lugar é realmente barulhento, além das pessoas, cada qual querendo falar e aparecer mais do que as outras, tem aquela voz estridente e a guitarra mal afinada. A melodia é vagamente familiar, mas ele pouco se importa. Senta-se no balcão, a mão direita começa a tremer.
- Aquela puta estava drogada... – Ele pensa. – Essa sensação é familiar, odeio isso, como não percebi antes?
Perdido em seus pensamentos, aquela voz lá no fundo de sua alma gargalha... dessa vez ela não é gentilmente reprimida.
Mark entra no bar, ali é um ótimo lugar para procurar uma presa fácil. Rednecks... esses são os mais fáceis de enganar, ainda mais quando a besta urra em seu peito exigindo sangue. Uma rápida olhada e ele vê, perdido olhando em um copo aquele estranho. Roupas escuras, totalmente ignorado pelos presentes. Mas a aura dele, é algo que chama a atenção. Definitivamente, aquele não é um lugar para aquele tipo de pessoa.
Ao se aproximar, Mark vê que o estranho está usando um sobretudo, por baixo uma roupa em tons escuros nada chamativos. Mark senta ao lado do estranho.
- Rancid vats – the darkest souls of rock´n roll… eu reconheceria essa música em qualquer lugar do mundo – Diz Mark ao estranho, que olha diretamente em seus olhos.
- Eu sabia que conhecia de algum lugar essa música, só não lembrava de onde. – Responde Adrian, enquanto tenta focar na conversa e ignorar a voz protestante em sua mente.
- Mark Lacross, prazer meu amigo. E você, qual a sua graça? – Diz Mark estendendo sua mão.
- Adrian! – Responde o agora não estranho. Seu aperto de mão é levemente morno em comparação com a mão de Mark.
- Se fosse em Nova Orleans esses idiotas já teriam virado pó! – Diz Mark apontando para o palco.
 O que se vê é uma empolgante, porém estranha apresentação musical. Nos vocais um homem gordo e baixo totalmente tatuado. Quem presta atenção no seu nariz pensa ver o que parece ser um focinho de porco no lugar do nariz. Ele canta com voz embargada, na mão uma jarra de cerveja, na outra um cigarro. O baterista com os olhos vermelhos, brilhantes e vidrados mantendo uma batida rítmica e consistente. O baixista, pula e rodopia pelo palco mas mantém a música. E a guitarrista, cabelos cobrem seu rosto. Ela realmente é muito rápida...

- Aqui não é Orleans meu amigo. Ainda bem... – Diz Adrian, suas lembranças fluem rápido em sua mente.
- Ainda bem! Mas você não parece ser desse local. A algo de assombroso em sua aura, senti assim que passei pela porta. Você é tão atraente quanto a luz de uma chama para uma mariposa. – Diz Mark, com um sorriso de canto de boca.
- Cuidado, você sabe muito bem o que uma chama faz para uma mariposa descuidada. – Diz Adrian levando o copo a boca. – Você também não parece pertencer a esse lugar. Somos dois estranhos em um lugar caótico...
- Verdade Adrian. Mas Metropia é uma das poucas cidades que um da minha estirpe pode andar sossegado. Malditos declararam caça às bruxas a nós, e eu tenho passado por maus bocados. Pelo menos aqui, me deixam em paz desde que eu seja discreto. E eu sei ser bem discreto...
Adrian observa enquanto Mark faz um truque barato com baralho. A carta parece transformar em uma mariposa em chamas depois volta ao normal. Tudo seria muito fantástico não fosse sua habilidade auspiciosa em ver a verdade por tras da ilusão.
- Lacross... Esse sobrenome me é familiar. Na verdade, posso dizer que já conheci algum Lacross – Diz Adrian. Enquanto tenta buscar em sua memória ele vê aquilo que não lhe pertence.
Ele vê um vampiro sendo queimado em uma fogueira grande, suas mãos aos céus e a lua vermelha como sangue. – Isso não lhe pertence. Isso sou eu! – A voz em sua mente grita, mas ele tem mais força e ela se cala.
- Possivelmente. Em tempos antigos éramos uma família numerosa. Hoje, contam-se nos dedos da mão esquerda os membros da minha família. Os Ravnos são história, quase extintos, culpa da maldita Camarilla. Tinham medo do nosso poder e influência. – Diz Mark visivelmente chateado.
- Bom, seja como for foi um prazer topar com você Mark. Eu vou embora, esse som já incomodou meus ouvidos e quem eu vim procurar não está aqui. – Diz Adrian terminando sua bebida, atira alguns dólares no balcão e sai, sem tanta cerimonia.
- Boa noite meu amigo, eu vou ficar aqui um pouco mais. Nos esbarramos por ai qualquer noite dessas. – Diz Mark se voltando ao palco.
A saída do bar não é excepcional, mas Adrian fica chateado. Ele precisava ver ela essa noite, mas isso poderia ficar para outra ocasião. Tudo seria mais fácil se ele usasse um celular, mas seu anacronismo fala mais alto. Para que andar por aí com um pedaço de vidro no bolso, disponível a qualquer horário? Não, ele é da moda antiga, dos tempos antigos onde se queriam falar com ele, mandavam um pombo.
Perdido em pensamentos aleatórios Adrian percebe quando Mark o segue furtivo nas sombras. Tolo, jovem e ingênuo acha que pegaria alguém da sua estirpe assim? Mark se excita com a caçada e mal percebe que Adrian o leva para um beco sem saída.
- Pode sair das sombras meu amigo. Eu te percebi a quarteirões daqui. – Diz Adrian fitando o escuro.
- Percebi logo que entrei no bar, você não é um mero cainita. Você cheira sangue forte, antigo. Veja... não é nada pessoal, mas eu sempre quis topar um ancião pela noite. É a primeira vez em séculos que eu encontro algum. Achei que só na Camarilla existiam anciões... – diz Mark.
- E o que te faz pensar que eu seja do Sabá? O simples fato de eu andar aqui nessa cidade onde esses trouxas rasgam o “véu”? – Diz Adrian encarando Mark.
- Então é mais corajoso do que eu pensava, um ancião da Camarilla invadindo assim, na cara dura, o território inimigo? – Diz Mark, suas garras apontando visivelmente em suas mãos.
- E quem disse que sou da Camarilla? Você supõe demais. Supôs que eu era do sabá... e agora supôs que eu fosse da Camarilla. Supôs que iria conseguir meu sangue facilmente e novamente a suposição foi sua derrota. –
Em um gesto rápido demais para os olhos de Mark, Adrian se move rapidamente para trás dele. Seus olhos tentam em vão acompanhar o movimento de Adrian enquanto ele o pega por trás e torce o seu pescoço. Não há o que fazer, dessa vez o jovem Lacross foi a presa.
O estalo do pescoço quebrado arrepiaria os cabelos de Mark, se essa ação fosse possível para os de sua estirpe. Imóvel Mark apenas escuta:
- Hum, 10ª geração. Nada mal, achei que de fato seria um neófito por ser tão ingênuo assim. Sabe Mark, provavelmente em alguma vez na sua vida você já ouviu falarem sobre a diablerie. É um ato condenável entre os de nossa espécie é verdade, mas é algo quase irresistível. Tão irristivel para mim quanto a “luz de uma chama para uma mariposa”. Pode me culpar por isso? Os que vieram antes de nós fizeram isso, a base do que somos é esse “canibalismo vampírico”. Mas fique calmo logo tudo vai acabar, essa dor que está sentindo, esse medo e angustia... ah Mark! Devo te agradecer por essa noite. Isso foi inesperado, mas muito bom!
- Eu vou te contar um segredo, antes de terminar com seu sofrimento. E não, não permito que você diga uma palavra sequer, ainda não. Quando eu terminar com você, sua mente vai fazer companhia a outra que está um tanto quanto solitária. Mas não se deixe enganar, ele é muito tinhoso. Veja só a ironia, esse que você provavelmente vai conhecer se chama John Lancaster, ele era muito poderoso. Ele trouxe a morte final para Antoine Lacross, vampiro de 8ª geração.
-  Provavelmente um dos quais pertenceu a sua linhagem. Veja só a quantidade de assunto que vocês terão para colocar em dia. – Diz Adrian enquanto vira o pescoço de Mark e enfia seus dentes em sua jugular. Ele sabe exatamente o que fazer, primeiro vem o vitae, doce e agradável. Depois começa a vir mais, vem as histórias, vem as disciplinas.... Todo o conhecimento e por um momento é como se ele sugasse além do sangue toda a essência do que um dia foi Mark.
Em sua mente, Adrian leve alguns minutos para controlar o turbilhão de pensamentos. Ele fica confuso, mas logo recobra o controle.
Esse jogo está ficando complicado demais Adrian – Ele diz para si mesmo. Enquanto isso, uma voz bem baixa grita em agonia, facilmente repreendida.
- Um dia, esse gosto seu por vitae vampírico será sua ruina Adrian. E eu estarei aqui de testemunha. – Diz uma voz rouca e forte como se estivesse falando diretamente em seus ouvidos.
- Sim, você vai estar ai de testemunha! – Adrian sorri, enquanto limpa seu casaco sujo com as cinzas do que um dia foi um vampiro chamado Mark Lacross!









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