quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Amizade forçada em sangue!!!

                O velho ancião contempla a cidade vista do alto de sua cobertura, as janelas fechadas. A noite é clara como o dia, lua cheia como nos velhos tempos. Ele observa ao longe as luzes se movimentando como vagalumes, com seus sentidos aguçados quase consegue distinguir as vozes. Envolto em seus pensamentos, imagina o quanto é caótica as noites modernas. Em contraste com seu tempo antigo, em cavalgava as noites pela mata sozinho, sem luzes, sem som, sem nada...  – As noites seriam mais difíceis se eu estivesse sozinho – ele conclui.
                Em tempos remotos, Deimos forjou com sangue e ossos uma amizade, que perdurou até os tempos atuais.
                - Está pensando em dar uma volta hoje? – Diz Hiei saindo das sombras, tirando o velho Deimos dos seus pensamentos.
                - Não. Hoje não estou com vontade. E também estou devidamente saciado – Mostra Deimos exibindo sua taça em com restos de vitae.
                - Devia sair um pouco, já faz tempo que não se transforma em morcegão e sai por ai. O que está acontecendo velho amigo? – Pergunta Hiei, o tom de sua voz denuncia sua preocupação verdadeira.
                - A última vez que sai para voar dei de frente com uma aberração voadora toda iluminada. Quase choquei com ele... foi um terror! – Diz Deimos se voltando para Hiei.
                - E você, não vai sair? Tome cuidado, tem espreitadores por todos os lados. Odeio essa cidade, é barulhenta demais, sinto como se algo muito perigoso andasse por essas ruas a noite.
                - Nada tema meu amigo! Mas é sério, você precisa sair pelo menos desses aposentos. Os empregados já estão... bem... – Diz Hiei com a  hesitação de quem disse algo que não deveria.
                - Já estão o que? O que eles estão falando? – Diz Deimos visivelmente irritado.
                - Ah ta, vou falar. Peguei a copeira conversando com o mordomo, acharam que eu não estava ouvindo. Estão pensando que você... que nós dois somos viados!!! – Diz Hiei em tom firme.
                - Besteira, eu não me transformei em nenhuma noite aqui. Por que haveriam de pensar que eu sou um cervo? Faz tempo que não uso o dom de Prometheus para pegar a forma de um antílope. Ainda mais aqui nesse quarto. Isso nem faz sentido! – Diz Deimos, claramente sem entender o amigo.
                Hiei tenta conter o riso, olha para um lado e para o outro mas chega a um ponto em que não consegue se segurar. Ele ri e gargalha alto, praticamente rola pelo chão enquanto um atônito Deimos olha para ele.
                - Que isso? O que eu disse de errado? – Diz Deimos sem compreender. – O que foi? Por acaso eu fiz alguma coisa errada? Eu tomei uma forma diferente sem perceber? – Quando diz isso a risada de Hiei se intensifica.
                Depois de muito rir da cara de Deimos, Hiei senta-se no sofá e explica para o amigo incrédulo:
                - Deimos eu não sei o que seria de mim sem você para me fazer rir desse jeito. Fazia tempo isso. A última vez que ri assim foi quando você viu uma TV pela primeira vez e achou que era bruxaria, queria colocar fogo. – Diz Hiei ainda rindo muito.
                - Eles pensam que nos dois somos homossexuais Deimos – Diz Hiei tentando segurar o riso.
                - Homossexuais? Não estou familiarizado com esse termo. O que isso quer dizer? – Diz Deimos, verdadeiramente sem entender o significado da palavra, tentando traçar um paralelo entre essa palavra e algo similar em sua língua nativa.
                - Gays... aff. Pensam que somos amantes. Que eu e você bem, que nos dois temos uma relação carnal. Que somos marido e mulher, enfim. – Diz Hiei gesticulando ao máximo.
                - NON SENSE! – Grita Deimos – Isso nem faz sentido!!! Como ousam? Como pode, uma patifaria dessas. Nem nos meus tempos de juventude poderia sequer imaginar algo grotesco assim. Que patifaria! – Deimos joga a taça que estava em sua mão sobre o chão. Sua feição é de fúria para espanto de Hiei. Ele esperava alguma reação do seu amigo mas não fúria.
                - Calma amigo, relaxa. Eles tem motivos para pensar isso. Veja bem, dormimos praticamente no mesmo quarto. Apesar de enorme isso aqui é um quarto. E você ainda tem aquele quartinho trancado a sete chaves. Demos motivos para eles pensarem isso. Mas calma, damos um jeito de contornar isso. Nem é tão grave, nem é tão grave... – Diz Hiei em um tom conciliador.
                - Eu preciso manter lá fechado. É onde guardo a terra da minha velha casa. Preciso dela para me sentir bem. – Explica Deimos já mais calmo.
                - Eu sei meu amigo, eu sei. Mas não se importe com o que os mortais pensam. Que pensem que somos amantes. Deixa isso para lá, temos coisas mais importantes para nos preocupar.
                - Humf. Vamos chamar algumas donzelas da vida para cá. Depois chama a empregada e o mordomo, diga que ouviu tudo e que serão demitidos se nos caluniarem de novo. Meu falecido pai se reviraria na cova, se houvesse uma, caso seu filho fizesse uma aberração dessas. Você sabe, isso incomoda meus velhos ossos. Fui um amante vigoroso na minha juventude, creio ter deixado espalhado minha semente por ai em algum lugar. E pensarem uma “barbárie” dessas de mim! Logo eu, que fui Lorde? Basta! Diga logo, resolva isso – diz Deimos consternado.
                - Acalma-te que eu resolvo isso! – Diz Hiei – E como eu te falei temos problemas mais sérios para enfrentar.
                - Hoje pela noite enquanto caminhava eu topei com alguém muito diferente. Certamente era um dos nossos, mas ele era muito diferente. – Diz Hiei em tom sério e preocupado.
                - Diferente como? Igual aqueles degenerados do Sabá? Os que se dizem Tzimisce? – Pergunta Deimos, enquanto senta-se na poltrona a frente de Hiei.
                - Não! Fisicamente ele era normal, mas era sua aura, sua “presença” que chamou minha atenção. Quase pude ouvir ele conversar comigo, na minha mente. Você sabe, já passamos maus bocados por todo lado. Estar em território Sabá me traz mais tranquilidade, mas mesmo assim ainda precisamos andar olhando pelos ombros. Esse camarada passou por mim, me encarou e sumiu.
                - Teme que ele esteja atrás de você pelo seu Vitae? Acha que ele seria estupido o bastante? – Pergunta Deimos enquanto cruza seus dedos.
                - Não sei, mas é melhor ficarmos espertos! Depois quero sondar nosso território de caça, dar uma espreitada para ver se podemos ficar seguros aqui. Mas já sabe, se as coisas ficarem ruins sairemos de Metropia. Não quero correr riscos, foi muito difícil recuperar seu corpo há 10 anos atrás eu fiz muitos inimigos... – Diz Hiei.
                - E nunca te agradeci apropriadamente amigo! Fique tranquilo, amanhã sairemos para caçar juntos. Creio que tem razão, precisamos sair de vez em quando. Não quero que pensem que sou um “viado”. – Diz Deimos.
                - Hahaha, vamos sim! – Conclui Hiei enquanto se levanta.
                - Mas amanhã, hoje eu preciso terminar meus estudos! Estou quase perdendo totalmente meu sotaque, a América é um lugar fascinante. – Diz Deimos enquanto coloca-se de pé em frente a estante.
                - Há, sabe que não tenho paciência. Vou dar uma anda pelo andar, vou ver o que os empregados estão fazendo qualquer coisa “tenta” me ligar. – Diz Hiei apontando o celular na mesa.
                - Ta bom, mas sabe o que penso dessa bruxaria chamada tecnologia... – Diz Deimos.
                - Eu sei meu amigo eu sei... só não sei o que seria de você sem mim! – Diz Hiei, enquanto pensa: - Não sei o que seria de mim, sem você!


                Continuando a série de contos baseados em histórias e personagens antigos de nossa mesa de jogo, hoje apresento: Lorde Deimos e Hiei.
Quando jogamos Vampire: The dark Ages o Marcelo, irmão do Marco Túlio fez um Salubri. Contrariando toda a natureza do clã ele fez diablerie em um ancião e ficou de 5ª geração. Era algo muito forte para um vampiro mesmo na era medieval. Durante uma sessão de jogos meu vampiro, o Lord Deimos topou com o corpo do Hiei totalmente ferido. Era a morte certa para ele, depois de um encontro desastroso com Lobisomens. Mas, contrariando a todos, até mesmo o Marcelo, meu personagem ajudou o dele. Usando Vicissitude ele moldou o corpo do amigo, deixando ele menor mas inteiro (com braços e pernas no lugar que haviam sido arrancados). Desde então os dois passaram a ser parceiros de aventuras. Sempre imaginei o que poderia ter acontecido com os dois se tivessem chegado em tempos modernos. Gosto de pensar que a amizade ficou cada vez mais forte, afinal de contas se Deimos tivesse “diablerizado” Hiei ele seria muito poderoso. Mas ao invés disso preferiu ter um amigo e um aliado.
                Anos mais tarde eu fiz uma campanha de Storyteller e coloquei um plot para uma futura aventura na qual o corpo de Deimos estava em torpor. A mesa de jogo se desfez, começamos a jogar D&D e nunca cheguei a usar essa história.
Acredito que um dia Deimos tenha se cansado e tenha entrado em torpor voluntário. Hiei tomou conta do amigo mas o perdeu durante um ataque da Camarilla ao seu esconderijo. Depois de muito tentar, enfrentando de Lobisomens a magos poderosos Hiei conseguiu recuperar o corpo e trazer de volta seu velho amigo. Desde então forjaram uma aliança, embora sem participar efetivamente, com o Sabá. Eles possuem um prédio, comercial durante do dia mas com uma grande cobertura onde é o seu esconderijo. Vigiado durante o dia, discreto durante a noite, seus habitantes mais insólitos podem dormir o sono dos justos sem se incomodarem.

Hiei forjou aliança com alguns Shivare, em segredo, para ajudar a recuperar o corpo de Deimos. Tem uma década que permanecem no mesmo lugar, mas sempre preocupados. Ainda mais agora que um caçador mais perigoso ronda a cidade... 

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